Uma reflexão sobre o Tempo


Quais foram as experiências mais marcantes dos seus 14 anos?

E nos seus 21, quais acontecimentos passaram a se tornar importantes para você?

Quais foram os desafios mais memoráveis dos seus 30?

 

Estamos habituados a contar o tempo através das nossas idades biológicas - afinal, são elas os marcadores cronológicos mais palpáveis que temos à nossa disposição. Anos, décadas e séculos são grandezas que nos localizam no tempo comum, servindo como verdadeiros separadores que referenciam as nossas experiências de uma forma, digamos, mais padronizada.

No fim das contas, é justamente sobre isso: referenciar as nossas experiências.

Antes da presença massiva da tecnologia na nossa Vida e dos relógios digitais que nos acompanham por toda a parte (no celular, no computador, na rua e até dentro do elevador), a humanidade media o tempo através dos ciclos naturais. Embora as primeiras grandes cidades tenham aparecido há mais de 3.500 anos a.E.C. (Uruk, Eridu, Ur, dentre outras, que se desenvolveram na região do Crescente Fértil na antiga Mesopotâmia), apenas muito recentemente, após a Revolução Industrial europeia (séc XVIII) é que o processo de urbanização passou a acontecer nas principais localidades do mundo.

Antes do advento da industrialização, o ser humano tomava como referência o tempo marcado pelos ciclos astrológicos que lhe eram conhecidos: o Sol como o principal marcador das estações do ano e as fases da Lua, ambos astros cuja regularidade no movimento tornou-se uma orientação para as mais antigas civilizações na história humana. A estes movimentos, bem como ao dos demais astros posteriormente, foi-se integrando uma visão simbólica, medida pela correspondência com os eventos que se davam na Terra, estabelecendo conexões e presságios que mais tarde serviriam como base de estudos, ao longo de milênios.

 



Assim nasce a Astrologia, e é nisto que ela consiste: uma medição de tempo de acordo com o movimento descrito pelos corpos celestes, isto é, pelos astros.

Referenciar as nossas experiências com o tempo cósmico, e não com o calendário oficializado pela Igreja Católica através de Papa Gregório XIII, em 1582 (o nosso famigerado, e assim conhecido, calendário gregoriano), é o que melhor sabemos fazer, para muito além dos cinco séculos de vigência deste calendário comum.

Em várias culturas e civilizações, a ideia de um retorno a um tempo primordial, a um tempo da Criação, é muito presente. O mitólogo Mircea Eliade (1907-1986) e o filósofo Friedrich Nietszche (1844-1900), por exemplo, cada um a seu modo, trouxeram a ideia da regeneração do tempo como uma eterna recorrência.


“Para nós, o fato é que em toda parte existe uma concepção de final e de começo de um período de tempo, baseada na observação dos ritmos cósmicos e que faz parte de um sistema mais abrangente - o sistema de purificações periódicas (expurgos, jejum, confissão dos pecados, etc.) e de regeneração periódica da vida.”

         ELIADE, Mircea. Mito do eterno retorno. Tradução José A. Ceschin. São Paulo. Ed. Mercuryo, 1992.

 

E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem — e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada nova mente — e você com ela, partícula de poeira!”

Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!” Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?” pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela?

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. São Paulo, Companhia das letras, 2012.

 

A concepção moderna de tempo

Me valho de uma sistematização feita pelo Professor Paulo Niccoli Ramirez em sua apresentação sobre o Pensamento Clássico, Moderno e Contemporâneo para diferenciar a ideia que temos sobre o Tempo dentro do nosso processo histórico.

Tempo cíclico: a concepção do tempo como algo cíclico está presente nas sociedades antigas, medievais e não ocidentais. É um tempo que sempre retorna às origens, como se operasse em uma grande espiral.

Tempo linear: já a ideia de tempo na modernidade foi desenvolvida a partir da Revolução Científica, do Iluminismo, da Revolução Industrial e do positivismo a partir do século XVII, permanecendo assim até hoje. Neste parâmetro, concebe-se o tempo como uma grandeza linear, um tempo do progresso em que o futuro jamais repetirá o passado e, por esta razão, sempre trará algo de novo.



Para compreender, viver e praticar a Astrologia, é preciso ter em mente a mentalidade com que esse sistema de conhecimento foi construído e sedimentado ao longo dos milênios e pelas mais diferentes civilizações, tanto no mundo ocidental quanto no mundo oriental, cada um com a sua filosofia.

Se continuarmos a divinizar o tempo do relógio em vez do tempo do Cosmos, travaremos uma eterna luta contra os ponteiros, desperdiçando a oportunidade preciosa de nos relacionar com o Tempo como aprendizes e discípulos de Sua sabedoria cósmica.

Pensemos nisso.

Um abraço estrelado!

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